quinta-feira, 17 de abril de 2008

HISTÓRIAS E ESTÓRIAS - O Paulo Xavier*

Por Bolonha (in memorian)

O veneno do turfe começa cedo, e sua cura é demorada e muitas vezes impossível. E há turfistas que, mesmo sem sorte desde a infância, nunca desistiram. Um exemplo vivo é o Paulo Xavier, que começou na crônica e depois foi trabalhar na Secretaria do Jockey com o Odyr do Couto, onde forma a exata mais certa do Odyr: Paulo e Valmy, só para lá, sem volta.

Mas o Paulo em todos esses anos não conseguiu nunca acertar um concurso, uma acumulada exata, um betting duplo. Nada. Perdedor contumaz. E isso vem desde garoto, pois o conhecemos há meio século.

Na casa do tabelião Abelardo Pinto, no final da sua Copacabana, seu filho Luciano fez um prado de cartolina, e a rapaziada fazia ali uma reunião por semana, seis ou sete páreos, geralmente aos sábados. Cada um tinha seu stud, cavalinhos de chumbo, pintados caprichosamente com suas fardas. Paulo Xavier também tinha os seus.

Um dia resolveram fazer, perto do Natal, um GP. Inscrições a 5 mil réis. Uma nota na época. No grupo havia um menino filho de pai rico, alguns inscreveram parelhas e trincas. Total de vinte animais. Com muito esforço, o Paulo que como nós não tinha facilidade de dinheiro, inscreveu uma tordilha (Zibelina).

Os animais largaram em frente às tribunas e começaram se jogando com três dados, até a entrada da reta. O primeiro que chegasse ali já iria se movimentar com dois dados, até o disco, para que os de trás pudessem atropelar. Em contrapartida, quando os atropeladores chegassem ali, também iriam enfrentar os dois dados. Era uma falsa impressão de garotos.

Mas voltemos ao Paulo. Zibelina largou na frente e foi se distanciando cada vez mais, pois os dados colocados no copo de couro e acionados pelo Paulo só davam de 15 para cima. Na grande curva era impossível perder. Até que entrou na reta, faltando portanto 50 pontos para o disco. Os outros ainda estavam na reta oposta.

Com dois dados, os números começaram a baixar: 4, 5, 3, 5. Resumindo: ao faltarem seis pontos para o disco, Zibelina ainda trazia, mesmo assim, vários corpos. E o Paulo já imaginava o prêmio de 70 mil réis, quantia que ele nunca tinha tido. “Sopra o copo para dar azar”, britavam uns. E o Paulo deixava soprar. Jogou nos dados, que eram enormes, eles correram pela cartolina, e marcaram 1 e 1.

Riso amarelo mas ainda vitória certa. Os outros andaram tirando 8, 9, 10, 9, e ficaram uns três corpos da ponteira, isso significando uns vinte pontos atrás.

“Sopra o copo”. O Paulo deixou todo mundo soprar novamente. Sacudiu o copo e rolou os dados. Gritaria geral. 1 e 1. Os de trás 7, 9, 10, 8, e ficaram um corpo atrás de Zibelina. Bastaria tirar três para ultrapassar o disco e ganhar. Paulo Xavier já estava muito assustado. Não deixou ninguém soprar na terceira vez. “Nunca vi dar dois três vezes”, repetia sem parar.

Expectativa. Custou a soltar os dados e os atirou com violência de encontro a um obstáculo no final da mesa. Os dados voltaram, e inacreditavelmente estava lá: 1 e 1. Ficou no disco. Para o segundo colocado ganhar teria de tirar oito. O terceiro com 10 também passava. Tirou 11. O Paulo nem salvou a inscrição. Pegou a Zibelina, quebrou as quatro patas dela e jogou pela janela. Pois até hoje, mesmo com esta lição, Paulo aposta nas corridas...

*Publicado originalmente na Revista JCB, na década de 1980.

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