quinta-feira, 16 de outubro de 2008

DE CIMA DO MURO

por Cesar Bolonha

Seguem mais dois artigos da série DE CIMA DO MURO. Um da Gazeta de Notícias e outro do Globo, da coluna O Pangaré, escrita por Haroldo Barbosa:

GAZETA DE NOTÍCIAS - 17/10/1974

Bolonha, o proibido

De Oscar Cardoso

Jornalista não entra nas tribunas nobres do Jóquei Club Brasileiro. Certamente é para não sujar os tapetes importados com seus pés de homem trabalhador ou confundir o odor do ambiente perfumado com finas essências francesas com o suor horrível dos que labutam honestamente para viver.

Heitor de Lima e Silva, o “Bolonha”, turfista de berço, cronista que há longos anos luta pelo engrandecimento de puro sangue nacional, diretor da revista Rio Turfe, preferida pelos milhares de turfistas que ao à Gávea encher as “burras” do JCB é o indesejável, o banido.

Para ele, desde segunda-feira, estão fechadas as Tribunas A e B do poderoso Jóquei Clube Brasileiro. Nesse dia, um profissional da imprensa, com todos os seus impostos pagos, foi escoltado humilhantemente pelo chefe de policiamento até a porta da rua. Expulso, impedido de levar avante suas funções jornalísticas.

É o fim...

E os dias se passaram. Nenhum pronunciamento da Associação dos Cronistas de Turfe do Rio de Janeiro, que se limitou a marcar uma reunião para setenta e duas horas depois – esperando a poeira baixar, os ânimos arrefecer? Seria, ontem, a tal reunião, dia de corrida na Gávea...

Nos jornais, também, só se viu uma máquina tamborilar em defesa do companheiro. De maneira serena e firme, Oscar Griffiths, independente e antisubserviente, denunciou a barbaridade cometida. O ato do Jóquei Clube Brasileiro, fere todos os preceitos legais e é preciso que – pelo menos uma vez – os que escrevem sobre o turfe se unam.
Não joguem o companheiro às feras. O “crime” de Heitor de Lima e Silva, o popular “Bolonha”, foi justamente não ter abanado a cabeça subservientemente para aquilo que ele considerava, como profissional antigo, competente e conhecedor dos meandros turfistas, errado, nocivo ao turfe.

“Bolonha”, deve ser amparado. Que a Associação dos Cronistas de Turfe do Rio de Janeiro, saia do marasmo e empunhe a handeira da liberdade de expressão dentro de um clube que sobrevive com o dinheiro do povo.

Que o Sindicato dos Jornalistas Profissionais, tão vigilante, dê seu grito em defesa do companheiro impedido de trabalhar, simplesmente, porque desagradou a minoria poderosa que está à frente do JCB.

E você, “Bolonha”, siga em frente. Há longos anos, alguém pensou em proibir o grande Ary Barroso de transmitir partidas de futebol no estádio do Vasco da Gama e ele o fez perigosamente equilibrado no alto de um poste de iluminação elétrica.

Em frente, “Bolonha”, você tem como e porque continuar informando seus milhares de leitores e ouvintes.


O GLOBO - 18/10/1974

O PANGARÉ
Satanás pode ganhar, se Deus ajudar!


A crise em flagrantes

Há tempos o JCB resolveu publicar uma revista semanal própria para dar maior apoio à divulgação do esporte. Convidaram Heitor de Lima e Silva para tomar conta do semanário, como redator-chefe, e este preliminarmente aceitou o encargo. Já estava tudo mais ou menos formalizado quando Bolonha, por motivos particulares, resolveu ficar na organização que estava dirigindo, que vinha de “Vida Turfista” e se transformou em “Rio Turf”. A recusa do confrade em dirigir a revista do JCB criou o primeiro caso com o vice-presidente Carlos Velasco Portinho, que lançou a publicação da casa em competição com a do Bolonha. Como o consumo no mercado turfista não é dos maiores, começou a batalha com os atritos comuns a qualquer competição, os quais foram cada vez mais se acentuando.

A medida que os trabalhos em “Rio-Turf” eram dificultados pelo JCB, que dava mais cobertura à sua publicação, Bolonha engrossava em seus protestos, denunciando arbitrariedades, impedimentos, essas falsetas que acontecem em disputas semelhantes. Apesar dos pesares a revista do Bolonha seguiu, apoiada por financiamento ponderável, e entrou por uma linha radical de oposição ao JCB. Mais irritação entre as partes.

Alegando que seus arquivos não podiam se manipulados por estranhos – como acontecia antes – e que só funcionários da sociedade teriam liberdade para fornecer linhas de retrospectos, tabelas de chamadas, performances de estreantes etc, os colaboradores do “Rio Turf” deixaram de ser atendidos como anteriormente, e a situação engrossou ainda mais.

Críticas das mais crespas aos leilões e patrocinados pela Associação de Criadores, ligada ao JCB, e uma nota menos reverente ao presidente FE, provocaram o estouro da boiada. Em verdade a legenda sob uma foto de Linneo de Paula Machado jamais provocaria a onda que hoje explodiu se não sucedesse aquela química anterior altamente combustível. Uma faísca, pronto, rebentou tudo.

O impedimento foi atingir o jornalista em outra parte de sua atividade profissional, exercida como comentarista radiofônico, se por um lado não impede que sua revista circule, a liberdade de palavra está casada porque as instalações de rádio ficam situadas em território proibido. A Rádio Guanabara teria que mudar a aparelhagem técnica para as tribunas populares, não preparadas para o serviço e ali funcionar normalmente.

Sendo o JCB uma entidade privada, a defesa judicial do Bolonha vai ter que dar uma volta complicada em ações cominatórias etc, na tentativa de restabelecer a liberdade total do nosso confrade. Apesar do registro do incidente em distrito policial, advogados, essas bossas, as águas vão rolar.

A Associação de Cronistas de Turfe do Rio de Janeiro, a ABI e demais representações jornalísticas, evidentemente, vão dar cobertura do profissional classificado, e ainda teremos muitos “rounds” a apreciar na dura batalha.

O “ultimatum” expedido pelo JCB “ad-referendum” da diretoria, dá a Heitor de Lima e Silva uma posição de poucas figuras do inconformismo internacional teriam conseguido quando se opuseram aos variados “status” sociais. O quadro também não é assim tão grave para merecer tantos adjetivos caprichados da pichação vernacular.

Com o papel passado pelo JCB, à guisa de “curriculum vitae”, Bolonha pode vender seu passe a qualquer das duas facções da violenta política argentina, ao ERP e aos Montoneros.

No fundo de tudo isso há uma fermentação política que está prestes a detonar no organismo da sociedade. O incidente começou a provocar definições mais acentuadas, as quais também o velho Panga terá oportunidade de registrar em dias futuros, porque como acontece há anos, o bucéfalo está sempre de olho no caminho.

E era isso, amigos, o que tínhamos a contar por hora. Acabado o milho, acabou a pipoca.

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