sábado, 10 de maio de 2008

HISTÓRIAS E ESTÓRIAS – O jóquei e o locutor*

por Bolonha (in memoriam)

Kalman Popovitch não ganhava corrida há quase um ano. Situação a pior possível. Salfate, um grande jóquei e bom caráter, chamou o Flávio Mendes, o Salustiano Batista, o Caio Britop, e um outro que até hoje é treinador, cujo nome não citaremos a seu pedido.

Reunidos com Salfate, este contou a situação do Popovitch, cheio de dívidas e sem ganhar. No dia seguinte, ele montaria o tordilho Kerensky. Eles deixariam o cavalo folgar na frente, e ele, que já tinha alguma chance, não perderia. O jóquei iugoslavo nem precisaria saber. Era um páreo de seis inscrições. Montavam somente os que estavam reunidos. E assim foi feito. Kerensky sempre na frente. Nos duzentos finais o jóquei olhou para trás e notou uma atropelada do cavalo montado pelo Salfate. “Desesperou-se. Já perdi, Salfate”, gritava o Popovitch, chorando. “Você é melhor e tem mais cavalo, já perdi”, repetia ele: “Pelo amor de Deus, Salfate”.

Conforme o que havia combinado, o cavalo de Salfate veio, veio e perdeu por meio corpo, com o Popovitch em pé (estribação diferente) e chorando alto.

Já na repesagem, muita festa (o jóquei era muito querido), o ganhador procurou Salfate e lhe disse: “É a primeira vez que eu ganho na manhã; não o conhecesse, e eu acharia que você não quis me derrotar”.

***
A inauguração do Hipódromo de Corrêas levou um grande público ao local. Numa das carreiras corria um cavalo bom, mas muito manhoso, chamado Regente. Estava inscrito em um páreo de mil metros, partida do prolongamento da reta e duas passagens pelo disco.

Gagliano Netto, famoso locutor de futebol e apaixonado turfista, foi prestigiar a festa e transmitir as carreiras. “Largaram os competidores ao quarto páreo. Entram na reta pela primeira vez, na ponta fulano, segundo beltrano e, em último, ameaçando parar, o Rebente (corriam oito animais nessa carreira)”.

“Passam pela primeira vez pelo disco e a ordem é a mesma. Regente parou aqui em frente ao nosso palanque, na primeira curva, e ficou fora do páreo”.

Não se usava binóculo nas transmissões de Corrêas, já que a reta oposta era pertinho e via-se tudo a olho nu. E seguiu o Gagliano transmitindo a carreira, ele um locutor magnífico de futebol, estreando em turfe.

Acontece que, na ocasião em que o Regente parou, seu treinador, Claudemiro Pereira, estava na raia justamente na passagem dos cavalos. Ele correu até o cavalo e lhe deu uma palmada na anca, fazendo com que o animal seguisse em disparada, já com os outros bem longe. E lá foi o Regente, que era melhor que a turma, “se embolando” com o páreo.

“Entram na reta final na última passagem”, gritava o locutor. Primeiro ainda fulano, atacado por beltrano. Faltam cem metros para o disco, agora aparece por fora...” – silêncio. “Bem, por fora em grande atropelada...” – silêncio. Alguém soprou: “Regente”.

Cruzaram o disco e o locutor gritou: “Regente não pode ser, que ele parou por aqui e entrou no padoque. O cavalo que ganhou não passou por aqui. Ficou escondido lá no prolongamento. Não sou otário”. Nesse justo instante, o juiz de chegadas mandou colocar no placar o número 3 de Regente.

Havia realmente, embora de maneira inacreditável, ganho ainda o Regente. Mas Gagliano Netto não se convenceu. Era teimoso.

“Ou eu estou doido, ou o juiz de chegadas e todos vocês estão. Na dúvida, eu vou embora”. E foi mesmo. Nunca mais quis transmitir turfe. Anos mais tarde, em São Paulo, apareceu comentando carreiras, com o Teófilo de Vasconcellos nas transmissões.

*Publicado originalmente na Revista JCB, na década de 1980.

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